sexta-feira, 30 de abril de 2010

Poemas de Silas Correa Leite




Poemas de Outono

P E R G U N T A M E N T O S

“Tenho de dar de comer ao Poema – Murilo Mendes

01)-Miseris Nobilis

volta e meia paira sobre mim
o medo da miséria e da fome
da minha infância humilde

então trabalho e estudo e escrevo
feito um condenado à vida
que só na loucura santa de sobreviver criando
encontra a sua espécie de cura

meus versos são pães dormindo
uma realidade substituta




02)-Teatro de Ocupação

Cansei de existir
Mas estudo, trabalho, luto para não
Repetir
A dose.
Morrer é passar de ano?

Luto para não me ferir
Mais do que me fere a existência
De ser
Um homem.
Viver é reparar dano?

Existo para inquirir
O nojo, o horror da vida, a cruz
Do medo
Da fome.
Escrever é baixar o pano?





03)-Violões

Invejo quem toca violão
Violão é o céu plangente
Na ponta dos dedos, na palma da mão
Como um corpo de mulher estridente
Em que você pratica a levitação
E gera música, harmonia, gente
Orquestrando a alma-nau da afinação.


04)-UTOPIA



detesto silêncio quando estou existindo

quando foi mesmo que existi?

detesto barulho quando estou escrevendo

que lugar me fujo no criar?

detesto existir quando escrevo poemas

que lugar me sou a fazer versos?

sou nada e tudo - qualquer parte

ESCREVENDO PARA FUGIR DE ME SER


















05)-Guerra & Paz




Trabalho numa biblioteca pública
De vez em quando os personagens
Dos clássicos vêm conversar comigo



É nessas horas que me enlivro.








06)-Labore



Tentei esquecer

Tudo o que a vida me fez sofrer

Mas como eu escreveria

Poesia


Sem o laboratório de me ser?














07)-Oito Quedas



hoje eu acordei

meio foz do iguaçu

ouvindo blues

desaguando poemas



O buraco das Sete Quedas é mais embaixo







08)-Laranja




botaram o ceguinho pra vender laranjas

no farol da Paulista com a Consolação



o pobre vendeu todas as frutazinhas

mas não viu nenhum tostão









09)-Furta-Cor



A

Solidão

Me

Protege






10)-Autoridade Civil




E SE A POLICIA TAMBÉM FOSSE PRESA UM DIA


POR DESACATO AO EXERCICIO DE CIDADANIA?




















11)-O Papagaio e a Pia

gota a gota a torneira pinga e chia

na pia da cozinha

o papagaio da casa vizinha

olha escuta aprende e espia


quando finalmente consertaram a pia

o papagaio já decora

e pia como uma pia marmórea

na sua entoação sonora


pior do que uma pia alada

seria uma torneira

pois fica chato na casa fechada

um papagaio imitando

uma gota vazada


12)-NEOLIBERALISMO (Cínico Estado Mínimo)

não há vagas

não há vagas

não há vagas

(Aceitamos Escravos)




13)-Mariposa




a mariposa suicida



na lâmpada apagada



espera amanhecer a noite




14)-Genuflexório






Minha mãe


Tirava lágrimas


Dos joelhos















15)-Xerox Quebrada




tenho tantas histórias pra contar


tenho tantas histórias pra contar


tenho tantas histórias pra contar





16)-IDIOTAS



Precisamos de idiotas

Para arredondar

A idéia da banalidade

Bipolar


E ainda há gente vulgar

Que acredita em genialidade


A morte é o atestado jugular

De nossa finita imbecilidade



Dá pra acreditar?




17)-Poema do Cego Pulando Amarelinha

O cego pulando amarelinha
Toma o anjo pela mão
Você só vê o gesto táctil do cego não
Vê jamais o anjo na sua condução
Em cada estágio de saltar sem pisar na linha.

O cego pulando amarelinha
Parece flutuar num balé
E sonda-o a rua de Itararé inteirinha
Perguntando o que nele enseja tanta fé
Céu e inferno; o cego parece que advinha...

O cego e a sua amarelinha
Parece um milagre até
Toma-o pela mão o anjo; o cego se aninha
E pula e salta e vence e acerta o pé
Talvez porque céu ou inferno só dentro da gente é.





18)-Pirilâmpado

“Ninguém pode pensar, sentir ou agir
Senão a partir da própria alienação...”
R. D. Laing

Se quero sobreviver preciso esquecer que meu corpo é uma carcaça.
Uso as palavras para recompor minha vida exangue.
Tento compreender o absurdo da existencialização.
Prezo a morte e leio escombros na angústia-vívere.
Tenho em mim a decadência-preço de Existir.
Não fui aparelhado espiritualmente para suportar a vida.
Minha infância pobre é o mundo que trago às costas como uma lesma com carcova.
Sou um renunciante à vida que respira a tristeza no caos.
Amo os silêncios porque deles tiro filés de santas palavras.
Caibo em despertencimentos, desabandonos e desespelhos com a consciência saturada.
Minha palavra é a minha voz como o estertor de um vagido.
Existir dói e faço doer os engenhos e açudes das palavras.
Uso as esporas das palavras em verso e prosa para refazer a vida que me deram como uma sentença-castigo.
Se eu escrever ansiedades perdoem o inexato corte de pelica da dor em mim lavrada.
Não tenho fórmulas para escapar ileso e não estou impune.
Sou um bebedor e comedor de verbos feito um Pirilâmpado.
Dou ciência de mim aos efêmeros insensíveis como potes de vísceras.
Não me leiam se não querem se assustar de serem a si mesmos revelados como carcaças em espelhos turvos.
Sou por acaso aqui e ali uma espécie de rebrilux. Os gemidos de noiteadeiro falam por mim, me descrevem.
Palavras me são remédios. Correm no meu sangue. Regurgito.
Como se adubos de palavras em ordinárias bateias de granizo.
Sou inventariante de angústias humanas, escondo-me em bibliotecas
E bebo de lanhos de meu próprio sangue letral
Envenenando-me da dura e triste carcaça Sobrevivencial.












19)-Tintas (Água, Sal e Muro)



Um índio pode deixar suas terras muito além das montanhas e florestas
Passar por divisas, armadilhas - entrar em grandes metrópoles urbanas tristes
Mas, ainda dentro de um shopping, no meio de uma praça pública ou túnel
Um índio será sempre um índio

(Tenho sangue índio, negro e judeu em mim)

Um negro pode ter deixado a sua aldeia numa distante savana da África-Mãe
Passar por moendas, engenhos, bandas de blues ou resistências espirituais
Mas, ainda dentro de uma catedral, no meio de anjonautas ou solitário
Um negro será sempre um negro

(Tenho sangue índio, negro e judeu em mim)

Um judeu pode deixar sua sinagoga, suas tribos, seu cântico do talmude
Passar por diásporas, derramas, cálices, trevas, êxodos ou inquisições
Mas, ainda que esteja cordeiro tosquiado no vale da sombra da morte
Um judeu será sempre um judeu

(Tenho sangue índio, negro e judeu em mim)

............................................................................

Sou a mistura de horizontes, fermentos; salmos e renascimentos alados
Sou água, sal, muro das lamentações, ancouradouros e flores de jasmim
O que mais sou numa aquarela de mistura quando escrevo todas as tintas de mim?
Sou a dor do índio vitimado
Sou a cor do negro escravizado
Sou o horror do judeu exilado
Sou lágrima, arado, pensagem, querubim
Sou todos os seres humanos numa palheta misturado
Sou a raça humana - a espécie que erra
Sou o bom cabrito que no poetar berra
E sou, ainda, a minha própria terra
Eu mesmo um Brasil indecifrável lá dentro de mim








20-My Way



My Way


Um dia você acorda e olha pra trás
E diz: eu não era nada.
E vê toda vida que fez do seu jeito
E pergunta: terá valido a pena?
Você acha que venceu na vida
Mas sabe: o que restou de você?
Talvez muito pouco ou quase nada
Daquilo: uma criança pura.

Um dia você cai em si e teme
O resultado: o que fizeram de você
A luta a dor, as amarguras e
Seqüelas: terá sido uma vitória?
Dentro do seu coração os sonhos
E as escuridões: são os poemas
Que você escreve porque tem medo
De se matar: morrer depois de tudo?
..............................................................
Um dia você não quer olhar pra trás
E nem pra você: foge para a poesia.

(Na escrita há um tempo irreal
Uma ilhota íntima: você em você!)

-0-

Silas Correa Leite
Santa Itararé das Letras
E-mail: poesilas@terra.com.br
www.portas-lapsos.zip.net





sábado, 24 de abril de 2010

Embarcação - Silas Correa Leite, de Itararé, Cidade Poema






EMBARCAÇÃO


A embarcação já vai partir
Não vai dar tempo
Não vão esperar por mim
Vou ficar sozinho nessa ilha
Serei deixado para trás
Esse sempre foi o meu destino
Alguém me deixa e vai embora
Não estão me vendo descer a planície feito um louco
Com cestas de amoras e potes de água pura
Eles estão saindo do porto da angústia
Estou de novo sendo deixado para trás
Eles estão partindo... esperem por mim...
Eu não quero morrer abandonado de novo
Por favor, olhem para a terra, eis-me emergindo
Vejam que estou tentando, eu voltei a andar um pouco
Não sou mais um inútil, eu me recuperei, não sou tão inútil
O navio ganha o mar, parte, de novo fiquei abandonado
De novo sozinho, de novo deixado para trás, como sempre

Só há gaivotas no porto agora, e sinais de civilização
Chorando eu escrevo com sal e sangue na pedra arrebentada do cais
O meu abandono, o meu destino, o meu poema solitário
Enquanto uma tempestade se avoluma e eu me entrego a ela
Como uma ovelha se entrega ao açougue das almas perdidas
Porque sei que em nenhum lugar do mundo chorarão por mim
Ninguém nunca dará pela minha falta no meu triste desterro íntimo

-0-

Silas Correa Leite
E-mail: poesilas@terra.com.br
www.portas-lapsos.zip.net




Nave - de Silas Corrêa Leite

Bate Papo com Silas Corrêa Leite

Tv Tem - Itararé by TrevoAg - Parte 1

DECLAMAR POEMAS - Poema de Silas Correa Leite

O Autor, Silas Corrêa Leite, com Três Anos, em Itararé



Declamar Poemas

Não gosto de decorar poemas
Prefiro falar poemas com um livro na mão
O livro é meu instrumento musical.
(Solivan Brugnara)

Para Regina Benitez

Não fui feito para declamar poemas
Ter timbre, empostar a voz, tempo cênico
E ainda dar tom gutural em tristices letrais.

Não fui feito para decorar poemas
Malemal os crio e os pincho fora
Pro poema saber mesmo quem é que manda.

Não fui feito para teatralizar poemas
Mal os entalho e deixo que singrem
Horizontes nunca dantes naves/gados.

Não fui feito para perolizar poemas
Borboletas são pastos de pássaros
Assim os poemas que se caibam crusoés.

Não fui feito para ser dono de poemas
Eles que se toquem e se materializem
Peles de pedras permitem leituras lacrimais.

Não fui feito nem para fazer poemas
Por isso nem cheira e nem freud a olaria
Apenas uso estoque de presenças jugulares.

Não fui feito eu mesmo. Sou poema
Bípele, cervejólo, bebemoro noiteadeiros
Quando ovulo sou fio-terra em alma nau.
-0-
Silas Correa Leite, Itararé-SP
E-mail: poesilas@terra.com.br

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Quando a Mãe Morreu (Eugênia de Oliveira, Itararé, In Memoriam)

A Mãe, Eugênia de Oliveira, em frente da casa em Itararé






Quando a Mãe Morreu


In Memoriam de Eugênia de Oliveira, 13.10.2010





Quando a mãe morreu
Meus amigos dizem que perdi muito do brilho dos olhos
Tudo o que lutei, conquistei, venci, abri caminhos... foi por ela.
Meus poemas ficaram mais duros, a amargura tomou conta do meu ser.
Senti meu espírito rasgado.
Recolho cacos, tento sobreviver mesmo sendo humanamente possível
Mas acho que muito de minha vida se foi quando a mãe morreu.
Meus amigos me socorrem como podem, abraçam, choram comigo
Minhas lágrimas agora são as minhas preces em memória de minha mãe.
Nasci com defeito de fabricação, não fui feito para perder mãe.
Não há peças de reposição na hora da morte. Perco horizontes.
Escrevo feito um guri correndo atrás de uma mãe que já não há.
Aponto o dedo para o céu, para as estrelas e digo... Lar... Casa... Mãe.
E se resisto é pelas pessoas que eu amo, e que ficaram.
A casa da mãe sem a mãe nem é mais um lugar de estar em mim.
Tento não vegetar, não perecer; luto pelos que choram comigo.
Mas é o momento mais triste de minha vida.
Escrevo como quem morre por falta de açúcar e mimo de Mãe.
Na barriga da terra-mãe Itararé espero ser depositado um dia
Ao lado de minha mãe Eugênia
Para que meu espírito atribulado possa então reencontrá-la e eu finalmente possa descansar em paz
Dessa triste existencialização que nos deu uma mãe e depois nos arrancou de nós.
-0-
Silas Correa Leite
E-mail: poesilas@terra.com.br
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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os Livros, Os Livros, Poema de Silas Correa Leite





Os Livros, Os Livros


Para Monteiro Lobato, In Memoriam

Os livros não estão prontos pra você
Na biblioteca, dizendo
Me pegue, me pegue
-Leia-me, leia-me!
(Ou, os livros estão prontos para você
Em qualquer lugar dizendo
Me pegue, me pegue
-Leia-me, leia-me?)

Siga-os livros
Sinta os livros
Cheire-os pelas mãos, pelos cotovelos
E eles ali nas salas de leituras
Nas prateleiras entre molduras
Aguardando você se abrir para vê-los
Lê-los, sabê-los...sê-los...

Os livros estão lado a lado
Poemas, contos, romances bordados
Ilusões, aventuras, juvenis
Todos com capas, orelhas, perfis
Esperando serem sondados
Descobertos, possuídos, levados pra casa
Levados pelo coração
Levados pela imaginação
Para clarificarem ideias, criarem asas...

Algum livro espera por você nalgum lugar
Discreto, secreto, infinito particular
Querendo ser lido – querendo ser devorado
Para você finalmente se sentir e se achar
Dentro de si em seu mais perfeito e puro estado

Um livro é uma estrada
Uma vida empapelada
Com começo, meio e fim
Um livro é como você assim
Uma Alma-luz querendo ser revelada

Em vez de sofrer e ir pescar
Em vez de sentir e ir pro bar
Ou sair chorando para não se ferir
Ou se esconder na solidão para orar
Leia um livro pra você se encontrar
Para você sensível se inquirir
Sentir a dor do outro
Num outro magnífico estar...

Como você mesmo é a sua página predileta
Leia o livro de um contador de historias ou de um poeta
Para você então alumbrado sorrir e chorar
Pois todo ser humano só verdadeiramente se completa
Quando é um curioso e feliz rato de biblioteca.

-0-

Silas Correa Leite, Santa Itararé das Artes, Cidade Poema
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