Poemas de Outono
P E R G U N T A M E N T O S
“Tenho de dar de comer ao Poema – Murilo Mendes
01)-Miseris Nobilis
volta e meia paira sobre mim
o medo da miséria e da fome
da minha infância humilde
então trabalho e estudo e escrevo
feito um condenado à vida
que só na loucura santa de sobreviver criando
encontra a sua espécie de cura
meus versos são pães dormindo
uma realidade substituta
02)-Teatro de Ocupação
Cansei de existir
Mas estudo, trabalho, luto para não
Repetir
A dose.
Morrer é passar de ano?
Luto para não me ferir
Mais do que me fere a existência
De ser
Um homem.
Viver é reparar dano?
Existo para inquirir
O nojo, o horror da vida, a cruz
Do medo
Da fome.
Escrever é baixar o pano?
03)-Violões
Invejo quem toca violão
Violão é o céu plangente
Na ponta dos dedos, na palma da mão
Como um corpo de mulher estridente
Em que você pratica a levitação
E gera música, harmonia, gente
Orquestrando a alma-nau da afinação.
04)-UTOPIA
detesto silêncio quando estou existindo
quando foi mesmo que existi?
detesto barulho quando estou escrevendo
que lugar me fujo no criar?
detesto existir quando escrevo poemas
que lugar me sou a fazer versos?
sou nada e tudo - qualquer parte
ESCREVENDO PARA FUGIR DE ME SER
05)-Guerra & Paz
Trabalho numa biblioteca pública
De vez em quando os personagens
Dos clássicos vêm conversar comigo
É nessas horas que me enlivro.
06)-Labore
Tentei esquecer
Tudo o que a vida me fez sofrer
Mas como eu escreveria
Poesia
Sem o laboratório de me ser?
07)-Oito Quedas
hoje eu acordei
meio foz do iguaçu
ouvindo blues
desaguando poemas
O buraco das Sete Quedas é mais embaixo
08)-Laranja
botaram o ceguinho pra vender laranjas
no farol da Paulista com a Consolação
o pobre vendeu todas as frutazinhas
mas não viu nenhum tostão
09)-Furta-Cor
A
Solidão
Me
Protege
10)-Autoridade Civil
E SE A POLICIA TAMBÉM FOSSE PRESA UM DIA
POR DESACATO AO EXERCICIO DE CIDADANIA?
11)-O Papagaio e a Pia
gota a gota a torneira pinga e chia
na pia da cozinha
o papagaio da casa vizinha
olha escuta aprende e espia
quando finalmente consertaram a pia
o papagaio já decora
e pia como uma pia marmórea
na sua entoação sonora
pior do que uma pia alada
seria uma torneira
pois fica chato na casa fechada
um papagaio imitando
uma gota vazada
12)-NEOLIBERALISMO (Cínico Estado Mínimo)
não há vagas
não há vagas
não há vagas
(Aceitamos Escravos)
13)-Mariposa
a mariposa suicida
na lâmpada apagada
espera amanhecer a noite
14)-Genuflexório
Minha mãe
Tirava lágrimas
Dos joelhos
15)-Xerox Quebrada
tenho tantas histórias pra contar
tenho tantas histórias pra contar
tenho tantas histórias pra contar
16)-IDIOTAS
Precisamos de idiotas
Para arredondar
A idéia da banalidade
Bipolar
E ainda há gente vulgar
Que acredita em genialidade
A morte é o atestado jugular
De nossa finita imbecilidade
Dá pra acreditar?
17)-Poema do Cego Pulando Amarelinha
O cego pulando amarelinha
Toma o anjo pela mão
Você só vê o gesto táctil do cego não
Vê jamais o anjo na sua condução
Em cada estágio de saltar sem pisar na linha.
O cego pulando amarelinha
Parece flutuar num balé
E sonda-o a rua de Itararé inteirinha
Perguntando o que nele enseja tanta fé
Céu e inferno; o cego parece que advinha...
O cego e a sua amarelinha
Parece um milagre até
Toma-o pela mão o anjo; o cego se aninha
E pula e salta e vence e acerta o pé
Talvez porque céu ou inferno só dentro da gente é.
18)-Pirilâmpado
“Ninguém pode pensar, sentir ou agir
Senão a partir da própria alienação...”
R. D. Laing
Se quero sobreviver preciso esquecer que meu corpo é uma carcaça.
Uso as palavras para recompor minha vida exangue.
Tento compreender o absurdo da existencialização.
Prezo a morte e leio escombros na angústia-vívere.
Tenho em mim a decadência-preço de Existir.
Não fui aparelhado espiritualmente para suportar a vida.
Minha infância pobre é o mundo que trago às costas como uma lesma com carcova.
Sou um renunciante à vida que respira a tristeza no caos.
Amo os silêncios porque deles tiro filés de santas palavras.
Caibo em despertencimentos, desabandonos e desespelhos com a consciência saturada.
Minha palavra é a minha voz como o estertor de um vagido.
Existir dói e faço doer os engenhos e açudes das palavras.
Uso as esporas das palavras em verso e prosa para refazer a vida que me deram como uma sentença-castigo.
Se eu escrever ansiedades perdoem o inexato corte de pelica da dor em mim lavrada.
Não tenho fórmulas para escapar ileso e não estou impune.
Sou um bebedor e comedor de verbos feito um Pirilâmpado.
Dou ciência de mim aos efêmeros insensíveis como potes de vísceras.
Não me leiam se não querem se assustar de serem a si mesmos revelados como carcaças em espelhos turvos.
Sou por acaso aqui e ali uma espécie de rebrilux. Os gemidos de noiteadeiro falam por mim, me descrevem.
Palavras me são remédios. Correm no meu sangue. Regurgito.
Como se adubos de palavras em ordinárias bateias de granizo.
Sou inventariante de angústias humanas, escondo-me em bibliotecas
E bebo de lanhos de meu próprio sangue letral
Envenenando-me da dura e triste carcaça Sobrevivencial.
19)-Tintas (Água, Sal e Muro)
Um índio pode deixar suas terras muito além das montanhas e florestas
Passar por divisas, armadilhas - entrar em grandes metrópoles urbanas tristes
Mas, ainda dentro de um shopping, no meio de uma praça pública ou túnel
Um índio será sempre um índio
(Tenho sangue índio, negro e judeu em mim)
Um negro pode ter deixado a sua aldeia numa distante savana da África-Mãe
Passar por moendas, engenhos, bandas de blues ou resistências espirituais
Mas, ainda dentro de uma catedral, no meio de anjonautas ou solitário
Um negro será sempre um negro
(Tenho sangue índio, negro e judeu em mim)
Um judeu pode deixar sua sinagoga, suas tribos, seu cântico do talmude
Passar por diásporas, derramas, cálices, trevas, êxodos ou inquisições
Mas, ainda que esteja cordeiro tosquiado no vale da sombra da morte
Um judeu será sempre um judeu
(Tenho sangue índio, negro e judeu em mim)
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Sou a mistura de horizontes, fermentos; salmos e renascimentos alados
Sou água, sal, muro das lamentações, ancouradouros e flores de jasmim
O que mais sou numa aquarela de mistura quando escrevo todas as tintas de mim?
Sou a dor do índio vitimado
Sou a cor do negro escravizado
Sou o horror do judeu exilado
Sou lágrima, arado, pensagem, querubim
Sou todos os seres humanos numa palheta misturado
Sou a raça humana - a espécie que erra
Sou o bom cabrito que no poetar berra
E sou, ainda, a minha própria terra
Eu mesmo um Brasil indecifrável lá dentro de mim
20-My Way
My Way
Um dia você acorda e olha pra trás
E diz: eu não era nada.
E vê toda vida que fez do seu jeito
E pergunta: terá valido a pena?
Você acha que venceu na vida
Mas sabe: o que restou de você?
Talvez muito pouco ou quase nada
Daquilo: uma criança pura.
Um dia você cai em si e teme
O resultado: o que fizeram de você
A luta a dor, as amarguras e
Seqüelas: terá sido uma vitória?
Dentro do seu coração os sonhos
E as escuridões: são os poemas
Que você escreve porque tem medo
De se matar: morrer depois de tudo?
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Um dia você não quer olhar pra trás
E nem pra você: foge para a poesia.
(Na escrita há um tempo irreal
Uma ilhota íntima: você em você!)
-0-
Silas Correa Leite
Santa Itararé das Letras
E-mail: poesilas@terra.com.br
www.portas-lapsos.zip.net
O sol de manha brilha mais bonito
ResponderExcluirA lua clareia a noite
trazendo poemas mais belos
Para nos fazer viver
E cheios de alegria
faz-nos Envolver
Todas maravilhas
Vem nos preencher (Lucia Barro)
O SOL DA MANHÃ
ResponderExcluirBRILHA MAIS BONITO
A LUA CLAREIA A NOITE
TRAZENDO POEMAS BELOS
PRA NOS FAZER VIVER
E CHEIOS DE ALEGRIA
FAZ-NOS ENVOLVER
TODAS MARAVILHAS
VEM NOS PREENCHER (LUCIA BARROS)