Sebastião Pereira Costa, de Itararé-SP, Entrevistado no jornal Ita News de Itapeva-SP.
IN - Qual balanço o senhor faz desses 50 anos como escriba?
SPC- Difícil avaliar o próprio trabalho sem cair no lugar comum de achar que se fez tudo o que foi possível, mas que gostaria de ter feito muito mais. Contudo, pelo carinho e o apoio que desde muitos anos recebo de meus leitores, do mais letrado àquele mais humilde, me leva a crer que meu trabalho foi correto, honesto, que valeu a pena.
IN - O senhor se recorda de seu primeiro texto?
SPC – Sim, publiquei meu primeiro texto em agosto de 1959, no Jornal de Itapeva, do saudoso Tito Lívio Cerione, cujo título é bastante atual: Urge Moralizar. Escrevi a lápis e levei para o saudoso amigo Mouracy do Prado Moura datilografar na sua Olivetti. Na época o Mourinha tinha escritório de contabilidade na Praça Anchieta, onde hoje é uma loja de eletrodomésticos. Após esse artigo que repercutiu nos meios políticos da época, continuei a escrever até 1964. Aí, devido ao golpe civil-militar de 64 tive de ir embora de Itapeva com minha família, pressionado por notórios aliados dos golpistas. Fui preso, minha esposa Dorothy também. O meu crime era participar do grupo que pertencia ao PCB e apoiar o Governo Goulart, que apregoava as reformas de base no País.
IN - O que significa para o senhor fazer 50 anos de profissão?
SPC – O jornalismo pra mim nunca foi profissão, nunca ganhei, nem cobrei nada, por meus escritos jornalísticos, sempre ganhei o leite das crianças trabalhando como pequeno empresário. Escrevia à noite, após o expediente. Mesmo assim, o exercício jornalístico marcou muito minha vida, me deu muitas alegrias, mesmo com o contraponto de muitas decepções, sustos, processos judiciais, inimizades, incompreensões, caras feias. Como até hoje.
IN - Qual a sua maior alegria nesses anos todos?
SPC – Como jornalista foram muitas pequenas alegrias, por exemplo, lá pelos idos dos anos 60, se o diretor do jornal não gostasse do teor da matéria, por avaliação própria ou por sugestão de algum abelhudo, ele simplesmente não publicava e não aceitava reclamação do autor. Então era uma alegria danada ver no fim de semana a matéria estampada no jornal, dava cócegas de tão gostoso. Mas a maior alegria mesmo no quesito escrever foi quando recebi correspondência da gerência da Editora Record, Rio, informando que meu livro Não Verás Nenhum País Como Este, tinha sido aceito para publicação. Afinal, era a maior editora do país publicando um livro de 400 páginas de um capiau de Santa Cruz/Itararé, ex-peão da Fazenda Ibiti, cuja formação não passou do primeiro grau no Grupo Escolar Tomé Teixeira. Ainda com prefácio do professor e então senador Fernando Henrique Cardoso, uma das maiores alegrias de minha vida.
IN - E a sua maior tristeza?
SPC – A maior tristeza como escriba é não ser levado a sério quando faço denúncias de homens públicos, eleitos pela vontade e a boa-fé de milhares de eleitores, levados a errar pela falta de informação num país em que a educação nunca foi prioridade, em que os professores são os mais mal pagos dentre as profissões acadêmicas. Ver os homens públicos preocupados apenas em ganhar dinheiro, fazer a vida nos cargos, sem dó nem piedade de uma população paupérrima que no embalo da emoção vota neles. É triste.
IN - O que mais marcou o senhor nesses 50 anos?
SPC - Difícil dizer o que mais me marcou neste meio século, foram tantas emoções...mas como jornalista bissexto o que mais marcou, que me lembro, foram dois eventos recentes: o primeiro, a decepção que senti ao ser expulso, friamente, do jornal Folha do Sul no qual colaborava desde que o seu atual proprietário tinha três anos de idade, e por motivos fúteis. Isso reforçou em mim a concepção de que é difícil existir amizade sem interesse material; o segundo, após ser expulso da Folha, ser convidado no dia seguinte pelo diretor-proprietário do bravo semanário Ita News, Kiko Carli, para integrar sua equipe jornalística, onde fui recebido com festa, platéia de funcionários e convidados, comes-e-bebes, discursos e aplausos. Foi muito marcante.
IN - Qual o segredo para escrever durante todo esse tempo sem cair no esquecimento e ter uma plateia que aguarda toda semana para ler seus textos?
SPC – Essa pergunta é a mais difícil, porque nunca soube o que se passa no coração de meus leitores, alguns há décadas acompanham meu trabalho, inclusive, recortam e guardam. Maravilhoso. Talvez o segredo esteja em escrever com o coração sem a preocupação de ser simpático ou de agradar alguém. Não vacilar em denunciar quando ninguém teve coragem de fazê-lo, não se corromper, enfim, ser fiel aos leitores e honesto consigo próprio, revelando a verdade doa a quem doer. Acho que é isso.
IN - Como definiria o SPC escritor?
SPC - Definiria como fracassado, pelo menos por enquanto, pois ainda não consegui publicar meu romance que estava engavetado até dias atrás e que agora está em avaliação numa editora, vamos ver se ela aceita a edição. Há muitos anos convivo com a pretensão de publicar meus contos e romances. Não me interessa ter de pagar a edição do livro para depois vender (ou dar) os exemplares para os amigos (a maioria compra ou ganha constrangida). Não tenho nada contra isso, mas não acho justo, livro é um pitéu que deve ser saboreado com prazer, não para encher egos ou ostentar vaidades.
IN- O senhor tem alguma saudade?
SPC – Muitas saudades, centenas, sou saudosista assumido, curto reminiscências até o último fio de cabelo. E nessas lembranças estão a minha inspiração literária, recheada de autobiografia. Tenho saudade de quando quase fui contratado pela Rádio PRB-2 de Curitiba, em 1954. Aí, vim pra Itapeva a passeio, e fiquei. Então, cantei na Rádio Clube daqui e parei ao casar. Tenho saudade da fazenda Ibiti onde trabalhei aos 12 anos, tendo como serviço buscar a tropa na invernada, cedinho, às vezes sob intensa cerração; tirar leite de três vacas suíças à tarde, além de cuidar de 42 cachorros do então ministro da Fazenda de Getúlio, doutor Correa e Castro, entre os quais perdigueiros adestrados para caçar perdizes, que abundavam por aqueles vastos campos de barbatimão e pés de cabeças-de-negro; tenho saudades de...chega, é bom parar por aqui.
IN - O que significa para o senhor poder se expressar?
SPC – Poder me expressar significa viver intensamente, botar pra fora os grilos que atormentam aqueles que não sabem como os expulsar da mente, significa compromisso com a sociedade em contribuir para que a vida das pessoas seja melhor, significa não ficar calado diante da injustiça social, da malandragem política, significa ter coragem de externar indignação com as coisas erradas e tentar corrigi-las mesmo ao preço de ser antipático, enfim, poder se expressar é o maior dom natural do homem. Agradeço a equipe do Ita News esta homenagem pelo meu modesto jubileu jornalístico.
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