domingo, 8 de março de 2009

Conto "Carnaval", Maria Apparecida S. Coquemala




Maria Coquemala
Itararé - SP

Carnaval
Na rua Teria vivido os enigmáticos momentos de pura beleza e alegria? Ou passageira alucinação, fruto do feitiço daquele quadro encantador? Sente frio... E a saudade que nunca vai embora... Enfia as mãos nos bolsos do casaco. Confetes? No ateliê Está cansada, quase seis horas da tarde, mas vai ainda visitá-lo, o amigo pintor, recém-chegado das viagens. E apanha raminhos de manjericão cheiroso pelo caminho, passa pelo jardim, há sempre alguma orquídea aberta na sua perfeita beleza colorida. Chega ao ateliê, gosta de apreciar o “Orquidário”, para onde, através de algum enigmático recurso, o amigo transplantou as orquídeas do jardim, mensagem de ternura nas dimensões dos vasos pequeninos, de alegria nas flores coloridas. Um quadro de rara beleza, a beleza do mundo, tanta, impiedosamente transitória, e com freqüência maltratada... Que mal é percebida, todo mundo ocupado na rotina. Mas que as mãos talentosas do pintor recriam... Ao lado, o outro quadro, o fantástico “Carnaval”, com máscaras carnavalescas, versinhos espalhados, o milagre da recriação artística na tela, agora quase na penumbra... Um carnaval tantas vezes intensamente vivido, mas que se fora para sempre da vida dele, conta saudoso... Precisa de mais luz, para fotografá-los, e já imaginando a foto: pintor/autor entre a beleza do “Orquidário” e a alegria do “Carnaval”. Afinal, vira os quadros nascendo nos esboços, tomando lentamente as cores, as formas se aprimorando, até chegarem à plenitude da beleza contagiante, vencendo concursos, despertando admiração, e agora retornados das viagens, das exposições, um rastro de beleza deixada pelos caminhos. Consulta o relógio, seis horas, tem pouco tempo, tantos os compromissos... Liga as luzes, quer plena claridade, fotos, prepara o flash... Mas, com ele, máscaras escapam da tela, ganham corpo e vida, se atropelam, multiplicando-se às dezenas... Quer ser racional, buscar explicações sensatas, mas os foliões a envolvem, invadem o “Orquidário”, colhem as flores, esvaziam a tela, se enfeitam, se perfumam com esmagados raminhos de manjericão cheiroso... Cruzam-se as serpentinas, os confetes, tudo é alegria em estado puro, tristeza nenhuma, foram-se as lembranças que lhe entristecem a vida... Mal pode vislumbrar o amigo nos braços foliões, rindo e dançando, tecendo coroas de orquídeas... Pensa no vinho que lhe serviu, nos brindes ao sucesso... Quem sabe ali a explicação, talvez um pequeno exagero... Ou a existência se redefinindo em enigmáticas paragens? Não importa. Entra no clima, leve e solta, tromba com arlequins e pierrôs, sequer se assusta entre monstros e piratas, canta também marchinhas de tantos carnavais passados... Flutuam todos no espaço dilatado, a luz jorra de ignotas fontes, mas jazem à sombra as esvaziadas telas. Estranhamente, não se movem os ponteiros do relógio. Mas, o vento frio da madrugada entra pelas janelas. Murcham as orquídeas. E um a um, foliões se desintegram, se reduzem a máscaras, as esgarçadas fantasias se diluem no ateliê... A alegria se fora. Uma saudade mansa entra devagar, comandando a cena... E voltam lentamente às telas, máscaras e flores... Consulta o relógio: seis horas. Os fatos inexistiram? O tempo não escorrera? Mas voltam a mover-se os ponteiros do relógio... E lá está o Jorge, o amigo pintor, o sorriso bondoso, nenhuma perplexidade... Não teria ele vivenciado tais momentos? Melhor se calar, quem sabe passageira alucinação... Ou feitiço daquele quadro encantador? Na rua Despede-se, sai à rua. Nada acontecera, não há carnaval, não há foliões, apenas a rotina. E a saudade que nunca vai embora... Faz frio... Enfia as mãos nos bolsos... Confetes?
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“Ao meu amigo, o pintor Jorge Chueri, personagem deste conto, e à Vanessa e à Ana Paula, pelo incentivo”
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Maria A. S. Coquemala escreve respondendo a um impulso de criação artística e também, para dividir com os leitores suas experiências diante dos enigmas do universo. Seu livro de contos “Circulo vicioso”, é um convite à leitura.
* * *Apoio Cultural: Clínica Médica Dr. Waldir Coquemala
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Um comentário:

  1. Nossa, maravilhoso......esta mulher foi minha mestra nos tempos de colegio, aqui em Osvaldo Cruz(interior de São Paulo). Agora entendo como foi bom tê-la como professora de Portugues e literatura. Parabéns!!! Abraços, Rosely Fùlvia Zaramella Canevari.

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